Ao português Joaquim Guilherme da Costa foi oferecido em venda o menor Joaquim. Desconfiando do negócio proposto, perguntou o Sr. Costa ao infeliz que se tentava comercializar como cativo de onde era natural. Este lhe respondeu que de Minas, no Estado Oriental. A pergunta não era gratuita: na Pelotas do ano de 1856 - onde se passara a cena - era de conhecimento geral as artimanhas de vendedores de escravos que negociavam negros orientais ilegalmente escravizados na província sulista. Diante da recusa da compra, o vendedor se apressou em apresentar uma "certidão de idade" que garantiria a lisura do negócio. Pior a emenda que o soneto. Com o documento em mãos, saltou aos olhos do possível comprador a idade referida do menor. Segundo ele "o crioulo representada quinze ou dezesseis anos e a certidão é de sete anos" (!). Por sentimento humanitário ou precaução de ter seu nome envolvido com a justiça e o investimento colocado em risco o Sr. Costa não comprou Joaquim.
Manoel Cardoso de Sousa, outro português a quem fora oferecido Joaquim, também não comprou. Dizia Manoel que a certidão parecia de uma outra pessoa. Apontava ainda que o menor Joaquim deveria ser livre por falar castelhano e "estava certo ser ele forro por ter nascido no Estado Oriental".
A João Antunes da Silva - esse natural da província - Joaquim também fora oferecido. Novamente o negócio não se realizou. Disse João que soube por "voz pública" da disposição da venda, mas que a mesma "voz pública" alertava que Joaquim era livre e estava sendo ilegalmente vendido como escravo.
A João Antunes da Silva - esse natural da província - Joaquim também fora oferecido. Novamente o negócio não se realizou. Disse João que soube por "voz pública" da disposição da venda, mas que a mesma "voz pública" alertava que Joaquim era livre e estava sendo ilegalmente vendido como escravo.
No interior da casa do português Joaquim Monteiro se encontrava o menor Joaquim sendo oferecido em negócio quando se pôs a chorar dizendo que era livre. Vendo o desespero do garoto e sua fala castelhana o Sr. Monteiro recusou imediatamente a oferta. E assim se sucederam outras tentavas frustradas de vender o menor: ao português Pedro José de Campos, ao espanhol Manuel Ginés Martinez, ao tenente-coronel Serafin Ignácio dos Anjos... Inúmeras recusas pois o negócio parecia ilegal, fraudado, criminoso. Tais avaliações pareciam fáceis de se perceber, pois foram igualmente apontadas por diferentes indíviduos.
Miguel Antonio Rodrigues Paes, o pretenso senhor de Joaquim, argumentava que o menor havia nascido em Canguçu e muito pequeno havia sido levado para o Uruguai - no ano de 1845. Sintomaticamente teria vindo ao mundo em 13 de maio (de 1844): nunca fora livre, assim como nunca foram verdadeiramente livres os negros brasileiros de quarenta e quatro anos mais tarde, após a princesa assinar a abolição com seu legado de liberdade parcial, tutelada e uma pseudocidadania de segunda ordem.
AHRS / Jornal Diário do Rio Grande / 29 e 30 de setembro de 1856, p.2. |
Texto digitado - Jornal Diário do Rio Grande, 29 e 30 de setembro de 1856, p.2. |
O inquérito policial é concluído com o delegado Alexandre Vieira da Cunha considerando o réu culpado. O promotor público solicitou que o réu fosse condenado baseado no artigo 179 (que tratava de crimes de escravização ilegal), com agravante de premeditação.
Em 08 de outubro de 1856 ocorreu o julgamento. O Tribunal absolveu o réu Miguel Paes. Tribunal formado por pessoas "da comunidade" para julgar casos importantes, de grande repercussão social. O júri "popular" não ouviu a "voz pública". Tampouco ouviu as diversas testemunhas de acusação - contra nenhuma de defesa. E nem mesmo escutou autoridades como o delegado de polícia e o promotor público. Talvez tenham ouvido suas consciências de mentalidade escravista, seus investimentos passados, presentes ou futuros e o ambiente complacente e conivente com o nefando comércio de seres humanos. Talvez tudo isso junto: sempre mais fácil que dizer não é se omitir, não se incomodar e deixar as coisas seguirem seu rumo, como estão...
Fonte: APERS, Processo-Crime, Comarca de Rio Grande, Cidade de Pelotas, Tribunal do Juri, Ano: 1856, maço 20, nº 789.